O GÊNESIS (III)
O sentido por trás das narrativas
Para entender as narrações bíblicas da história da criação, vamos analisar alguns detalhes:
1. Em Gen. 2,19 (história da
costela).
Esta narrativa tem o objetivo de dizer que o homem e a
mulher são seres da mesma natureza. Era uma afirmação ousada para
a cultura da época. O cristianismo trouxe esta verdade com sua
doutrina. A mulher era tida, nas culturas daquele tempo, como um ser
intermediário entre o homem e o animal. O cristianismo atribui-lhe o
mesmo status do homem.
2. Em Gen. l,14 (criação dos
astros).
Os astros eram divinizados por muitos povos antigos. O
hagiógrafo quer dizer, com a narrativa da criação dos astros, que
eles são apenas criaturas de Deus, não são deuses. Tanto que os
chama de faróis, embora já soubesse os seus nomes. Deus os colocou
lá no alto para separar a noite do dia e para fazer o calendário.
3. Em 1,26
(criação do homem).
Neste ponto, a narrativa bíblica muda a flexão do
verbo e fala na primeira pessoa do plural: Façamos o homem...
‘Imagem e semelhança’:
A relação que os antigos faziam entre a 'imagem' e a própria
pessoa era tão viva que era tida como se fosse a pessoa mesma. Dizer
que o homem é imagem de Deus é o mesmo que dizer que o homem é a
representação de Deus no
mundo. A semelhança, para dizer que não
é a mesma coisa, não é outro Deus. De que modo o homem representa
Deus no mundo? Em seu 'espirito'.
É o que distingue o homem do restante do universo: as faculdades
intelectuais, o estar acima da criação para conduzi-la, como se
fosse Deus.
4. 'Cultivai a terra'...
Aqui está inserido o conceito de trabalho. O trabalho
já existia antes do pecado do homem. Foi o primeiro preceito que
Deus mandou ao homem. Antes mesmo de mandar oferecer sacrifícios,
mandou trabalhar. O que o pecado trouxe foi a penosidade do trabalho,
o 'suor' do rosto, o esforço corporal para a sua realização.
5. 'Adão'
é nome comum coletivo.
O nome 'Adão' é mais do que o designativo de um ser
singular. Significa um homem ou a humanidade. Assim também Eva tem
um sentido coletivo. A distinção de sexo não é uma diferença
apenas biológica, necessária para a reprodução da espécie
humana, mas também uma distinção ética: corresponde ao
relacionamento que deve haver entre ambos.
6. Inimizade entre homens e animais - também não houve desde o inicio, mas com o pecado.
7. A árvore da vida
- é o aproveitamento de um elemento mitológico e é símbolo da
imortalidade.
A história da árvore do bem e do mal é para fazer
notar que todo o mal deriva do pecado, mas que apesar do pecado, o
destino final do homem é a imortalidade. Por que a serpente neste
contexto? Ela era conhecida como o animal mais astuto da natureza.
Por isso, ela foi usada pelo autor para personificar o mal. A segunda
finalidade desta referência é apologética, porque era a serpente
adorada como deus por algumas nações contemporâneas deles. O autor
insiste em que ela é apenas criatura.
8. "Estavam nus e não se
envergonhavam"
Esta referência significa a harmonia do paraíso.
Concretamente, nunca aconteceu um paraíso do modo como está na
Bíblia. Observa-se que, sempre na natureza, as coisas acontecem numa
evolução de perfeição, ou seja, do menos perfeito para o mais
perfeito. Não houve este estado inicial de total equilíbrio para
depois haver a desarmonia. O paraíso é mais que uma 'saudade', é
uma 'esperança' (Frei Carlos Mesters).
9. O fruto do bem e do mal nada
tem a ver com a maçã.
Esta associação com a maçã tem origens culturais bem
antigas, mas não é bíblica. Também não é apenas o conhecimento
do bem e do mal que importa. "Conhecer" para os hebreus
tinha um sentido bem mais profundo e íntimo. Não é o mero saber
intelectual, mas o fato de ser árbitro entre o bem e o mal, de poder
decidir entre o bem e o mal. Isto não aconteceu apenas naquela
ocasião, mas acontece cada vez que o homem comete um pecado. Quer
dizer, o pecado acontece porque o homem inverte os valores e quer
julgar por si próprio ou segundo o seu parecer o que é bem e o que
é mal. Só Deus tem este poder. Querendo se sobrepor a Deus, o homem
erra, e então acontece aquela desordem.